Leviathan // David Rosado // 12 Oct to 15 Dez  2018 – Square0ne, Lisboa / Portugal.






















AAAmazing – excertos de uma história marginal e quotidiana

Por Israel Guarda

O universo da pintura de David Rosado é habitado maioritariamente por figuras provenientes do cinema mas não só, outras figuras sejam animação e ou animais são igualmente convocadas nas suas obras. Estes elementos figuram sistematicamente, a par de pequenas incisões de paisagens ou nuvens, nas suas telas, sendo difícil dissecar cada um deles ou individualizá-los, eles compõem um complexo mosaico de composição e intrinsecamente um enredo próprio. Os pequenos padrões geométricos assim como as anotações ou mensagens subliminares reforçam esta ideia e contribuem para um conjunto globalmente preciso.

Não se pense, que apesar da coerência formal da composição o seu significado se oferece prontamente ao espectador. O artista faz questão de iludir as primeiras impressões, seja na intensa elaboração dos fundos, que detêm uma notável expressão, seja pelas combinações aparentemente aleatórias das figuras. Com efeito à primeira vista as figuras não têm qualquer relação, mas numa leitura mais atenta emergem pequenas e subtis conexões que configuram um intricado mapa conceptual. Para exemplificar este raciocínio veja-se o modo como se apresentam os personagens em posições cómicas, em situações de comoção, em êxtase ou apáticas, agitadas pela aparição súbita de figuras de animação, animais ou de elementos gráficos: tudo flui como num jogo lúdico pensado como estrutura viva e capaz de dinamização; como nos murais que por vezes vemos em determinados locais da cidade, onde a sobreposição múltipla de grafitos e representações parecem ganhar uma actualização renovada a cada dia ou semana; Sentimos igualmente uma sensação semelhante à medida que fazemos um traveling através das várias pinturas de David Rosado, percebendo que as relações não se restringem ao espaço do quadro. É neste limiar que reside a capacidade do artista em abstrair-se de contar uma história capital, optando por ver as coisas através de vários tempos simultâneos, como se procurasse dar-nos conta de múltiplas realidades a acontecer.

A apropriação da técnica de “dripping” sugere aqui uma generosa menção à cultura urbana e à cena do grafiti, que podemos explorar nos interstícios urbanos das grandes cidades. A analogia com este trabalho prende-se no modo como estes espaços desiguais, sujos, periféricos, “não lugares”, constituem paradoxalmente um suporte de manifestações, de identificação de grupos, de representações e construções de uma certa forma de identidade sujeita a códigos e sinais assimiláveis pelos seus próprios elementos. O artista explora na pintura e instalações as ténues fronteiras dessas dimensões urbanas marginais e a técnica dripping ajuda-nos a fixar esse território esguio, como se o olhar se processasse através da ideia de transição, conduzido através da tinta escorrida que para além de cumprir o efeito de gravidade, interfere e justapõe-se sobre os restantes elementos e figuras na tela. O plano geral obtido não destaca uma figura particular, embora essa leitura ou apreciação caiba a cada um julgar, mas introduz a questão subjectiva que torna o nosso sentido imediato “menos dado”, mas que tem a capacidade por outro lado de nos retirar do campo estritamente objectivo da representação como tal.

A concepção geral fundamenta-se na construção deste processo, que passa por escolhas arbitrárias a princípio, desligadas entre si porque não determinadas, que a pouco e pouco estabelecem combinações, uma ordem potencial que emerge de adições sucessivas e de um reequacionar constante do conjunto global, através do apagamento e sobreposição, num olhar renovado e atento sobre a cultura urbana de rua, procurando por esse intermédio o seu próprio espaço e enquadramento na criação artística, por meio de um género clássico como a pintura.